quarta-feira, julho 23, 2025

Diário de Bordo 19 - O Brasil e o GPS

 

    

            No mais novo capítulo da guerra Trump X Lula, o presidente norte americano ameaçou de cortar o sinal de GPS para o Brasil, e como não poderia ser diferente, o caos de informações falsas explodiu, então resolvi postar os fatos reais e o que é irreal nessa história.

            Bom, antes de mais nada, sou Bacharel em Ciências da Computação e atuo na área de tecnologia já há algum tempo, então posso dar uma opinião mais técnica a esse respeito.


1 – O Sistema é o GNSS,  não GPS!



O sistema que todos usam para navegar em celulares e outros aparelhos é o sistema GNSS -Global Navigation Satellite System ou Sistema Global de Navegação Por Satélite, essa tecnologia foi desenvolvida nos E.U.A. ainda na década de 1970 para fins militares e é óbvio que alguém lá viu nisso a chance de ganhar muito dinheiro no mercado civil. O GNSS é o sistema que através de uma “constelação” de satélites orbitando ao redor da Terra, permite o envio de coordenadas , isto é, da localização de algo ou alguém no planeta, devido à enorme quantidade de satélites, os mesmos agem em conjunto, para tornar essa localização mais exata. Ou seja, a tecnologia é a GNSS. Mas e o GPS nessa história?

    O sistema inicialmente era o NAVSTAR-GPS, desenvolvido e controlado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos - inicialmente para fins militares e posteriormente aberto para uso civil - até hoje é o sistema mais utilizado no mundo. Trabalha com uma constelação de 31 satélites, de forma a garantir que sempre tenham, ao menos, 24 satélites operando, distribuídos em seis órbitas, a uma altitude aproximada de 20.200 km da superfície terrestre.

  

2 – O GPS é Único?


        Graças a Deus não é, o GPS – Global Position System é o sistema norte-americano para esse fim, utilizando sua rede de satélites. Como boa parte do mundo, principalmente os países desenvolvidos entenderam que a soberania tecnológica era vital para o futuro de cada nação – e também perceberam o tamanho do problema de ficarem reféns de uma tecnologia exclusiva – desenvolveram seus próprios sistemas GNSS, muitos até melhores que o próprio GPS, os principais são: 




        GLONASS
: O sistema global de posicionamento por satélites russo foi desenvolvido inicialmente para fins militares pela antiga União Soviética e, no meio do processo, foi aberto também para o uso civil. Com a extinção da URSS, a Federação Russa continuou sua implantação, tornando-se completamente operacional em 2011. O sistema opera com uma constelação de 24 satélites distribuídos em três planos orbitais, a uma altitude aproximada de 19.100 km.

O que poucos sabem é que o Brasil mantém uma parceria estratégica única com a Rússia neste setor: o país é o maior hospedeiro de bases de controle do GLONASS fora do território russo.

Atualmente, o Brasil abriga cinco estações de controle do GLONASS, localizadas em universidades federais estrategicamente distribuídas pelo território nacional: Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Pará (UFPA), e uma quinta estação na região Norte.

Essas bases foram instaladas através de acordos de cooperação tecnológica entre Brasil e Rússia, estabelecidos a partir de 2013. Em troca de hospedar a infraestrutura russa, o Brasil obtém acesso privilegiado à tecnologia GLONASS e participa do aprimoramento do sistema. As estações brasileiras são responsáveis por calibrar os satélites russos e melhorar a precisão do sistema para toda a América do Sul.

Ou seja, o Brasil tem aqui uma chance única, primeiro porque esse acordo tecnológico permitiria o desenvolvimento de uma sistema nacional que fizesse uso não apenas da tecnologia e da constelação do GLONASS, como também poderia criar um sistema que utilizasse também a rede do GALILEO, algo que claramente seria possível e é óbvio que a União Européia teria interesse em colocar bases de transmissão de dados do GALILEO aqui no Brasil, o que melhoria muito a sua performance, em segundo lugar, manter essas bases de transmissão por aqui, juntamente com o desenvolvimento de um sistema nacional, permitiria que os demais países da América do Sul adotassem esse sistema para uso, ou seja, além da segurança e da soberania tecnológica, o Brasil conseguiria se impor com mais força nesse cenário.




        GALILEO
: Sistema de posicionamento por satélite de iniciativa civil, desenvolvido e operado pela Comunidade Europeia, cuja constelação completa será de 30 satélites, incluindo os seis extras para reposição, distribuídos em três planos orbitais, a uma altitude aproximada de 23.222 km. O sistema Galileo é interoperável com os sistemas GPS e Glonass, o que possibilita medições mais precisas.





        BEIDOU/BDS
:  Também conhecido por Compass, este sistema de posicionamento foi desenvolvido e operado pela China, e opera regionalmente no momento, mas com previsão de cobertura global, com 35 satélites (cinco satélites geoestacionários e trinta não geoestacionários), até 2020. Assim como o Galileo, o BeiDou também é projetado para ser interoperável com os outros sistemas de geolocalização citados anteriormente.

        Para se ter uma ideia comparativa do BeiDou com o GPS, basta ver como ele está em relação a constelação norte-americana.


Existem atualmente 4 Constelações do sistema GNSS em órbita, e vendo como elas estão, fica mais fácil entender como esses sistema tem apresentado tanta precisão.

 A constelação de cada sistema tem suas características e se observamos bem, fica mais fácil entender porque alguns sistemas como o GALILEO, GLONASS e BEIDOU são melhores e mais precisos, um dos fatores é a intercomunicação entre esses sistemas e suas constelações.





GPS:

  • 6 Planos Orbitais;
  • 24 satélites + 3 sobressalentes;
  • Ângulo de 55º de inclinação;
  • Altitude de 20.200 km.


GALILEO

  • 3 Planos Orbitais;
  • 27 satélites + 3 sobressalentes;
  • Ângulo de 56º de inclinação;
  • Altitude de 23.616 km.  


GLONASS

  • 6 Planos Orbitais;
  • 35 satélites: 5 Geoestacionários, 27 Meo (Órbita Média) e 3 IGSO (Órbita Geoestacionária Inclinada);
  • Ângulo de 64,8º de inclinação;
  • Altitude de 19.100 km.

 

BEIDOU

  • 3 Planos Orbitais;
  • 21 satélites + 3 sobressalentes;
  • Ângulo de 55º de inclinação;
  • Altitude de 38.300 km e 21.200 km.

        O IBGE opera uma rede de estações permanentes - Rede Brasileira de Monitoramento Continuo dos Sistemas GNSS (RBMC) - composta por 146 estações, em 2022. Estas estações constituem uma ferramenta de suporte para a utilização desta tecnologia no Brasil e o principal elo de ligação com os sistemas de referência internacionais.

 



3 – Dá para Desligar o GPS no Brasil?


Bom, teoricamente é possível, mas a menos que tenha sido desenvolvida alguma nova tecnologia para isso, isso é muito inviável, dispendioso, trabalhoso e por aí vai, eis alguns pontos: 

1 - Os sinais transmitidos pelos satélites do GPS são unidirecionais: saem do espaço e alcançam, ao mesmo tempo, receptores em qualquer parte do mundo. Dessa forma, especialistas apontam que é bastante improvável cortar o sinal do GPS somente para um país ou território, sem afetar regiões vizinhas.

Porém, podem existir maneiras de interferir localmente no funcionamento do GPS. Algumas dessas técnicas já foram usadas em zonas de conflito ou de interesse estratégico.

A principal é o "jamming", que é um bloqueio de sinal feito com dispositivos que emitem ondas de rádio para neutralizar o sinal original dos satélites. O bloqueio consiste em prejudicar a recepção do sinal com um transmissor na mesma frequência, mais forte. Porém, para isso, seria necessário criar a interferência a partir do Brasil, o que pode ser um ato de sabotagem.

2 - O desligamento seria feito em áreas específicas, então para se cobrir todo o território nacional, isso iria demandar tempo e recursos, além de se exigir que houvessem “desligamentos” – entenda-se sabotagem - de estações de recepção aqui no Brasil.


4 – Quais as Consequências de um desligamento do GPS no Brasil?

 

Se houvesse algum tipo desligamento, o Brasil entraria no apocalipse? Não! Haveria muitas dificuldades e problemas? Sim! Não entendeu? Vamos lá.

O Brasil teria sim diversas dificuldades em relação a isso, mas sinceramente? Se tem um povo que se vira bem na hora do aperto, esse é o brasileiro. Os maiores impactos seriam em equipamentos e sistemas anterior a 2018, que ainda trabalhavam  apenas com o GPS, os mais modernos já tem a opção de acessar os demais sistemas já falados. Ocorreriam sim atrasos e outros problemas, aguardando uma atualização dos sistemas, mudanças de hardware - que demorariam mais - mas isso não iria parar o país. O problema é que os setores que sofreriam maior impacto seriam justamente alguns dos pilares econômicos do país, como o agronegócio e a indústria de navegação.

Os principais ramos de negócio do país fazem o uso “pesado” do GPS, são os seguintes:  

·         Aviação;

·         Controle de desastres e respostas de emergência;

·         Transporte terrestre;

·         Marítimo;

·         Mapeamento e levantamentos;

·         Monitoramento ambiental;

·         Agricultura de precisão;

·         Gerenciamento de recursos naturais;

·         Pesquisa, como estudo de ionosfera e mudanças climáticas;

·         Comunicações móveis via satélite;

·         Referência precisa do tempo;

·         Munições militares tele guiadas.

 

A agricultura de precisão, que movimenta centenas de bilhões de reais anualmente, depende do GPS para otimização de plantio, aplicação de fertilizantes e defensivos, e operação de máquinas autônomas. Segundo dados do setor, cerca de 75% das operações agrícolas modernas utilizam algum tipo de tecnologia baseada em GPS. Na mineração, o percentual chega a 70%, enquanto a exploração petrolífera também apresenta dependência significativa do sistema americano.

Mas a dependência vai além dos setores primários. O sistema bancário brasileiro utiliza o GPS para sincronização de transações e operações de alta frequência. A aviação civil depende do sistema para navegação de precisão, especialmente em pousos e decolagens. As redes de telecomunicações usam os sinais de tempo do GPS para sincronizar suas operações. Até mesmo aplicativos de transporte como Uber e 99 dependem fundamentalmente do sistema americano.

O grande problema do Brasil é a total dependência tecnológica de sistemas essenciais para a soberania do país, e essa questão já é antiga em todos os governos que já passaram por aqui, sejam de esquerda ou de direita, e esse problema novamente bate a nossa porta, as demais nações que entenderam isso, buscaram cortar essa dependência criando seus sistemas.

O coronel da reserva da Força Aérea Júlio Shidara, presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais Brasileiras (AIAB), alertou durante o 1º Seminário de Segurança, Desenvolvimento e Defesa no Ambiente Espacial, realizado em Brasília em julho de 2025, que “o Brasil não possui alternativas nacionais robustas, o que compromete a soberania em setores vitais como energia, telecomunicações e defesa.”

 

Setores que se adaptariam rapidamente

 

    Em um cenário hipotético de interrupção do GPS americano, diferentes setores da economia brasileira apresentariam velocidades distintas de adaptação. Os setores mais modernos e tecnologicamente atualizados conseguiriam fazer a transição em questão de dias ou semanas.

    O setor de transporte urbano, incluindo aplicativos como Uber e 99, seria um dos primeiros a se adaptar. Os smartphones que operam esses serviços já suportam múltiplos sistemas GNSS e fariam a transição automaticamente. O mesmo vale para a navegação automotiva civil e a maioria dos serviços de entrega.

    A aviação comercial, embora inicialmente impactada, também possui alternativas. Aeroportos brasileiros já contam com sistemas de navegação baseados em múltiplas tecnologias, incluindo o Galileo europeu. O setor aéreo brasileiro tem investido em modernização de equipamentos que suportam diversos sistemas GNSS.

 

Setores que precisariam de mais tempo

 

    A agricultura de precisão e a mineração apresentariam desafios maiores, mas não insuperáveis. Equipamentos mais antigos, especialmente tratores e máquinas agrícolas fabricados antes de 2018, poderiam precisar de atualizações de software ou hardware para suportar sistemas alternativos ao GPS.

    Segundo especialistas do setor, a adaptação completa da agricultura de precisão levaria entre um e dois anos, período necessário para atualização de equipamentos e treinamento de operadores. Durante esse período, haveria redução na eficiência operacional, mas não paralisia total das atividades.

    O sistema bancário e as redes de telecomunicações também precisariam de tempo para adaptação completa. Embora possuam sistemas de backup, a sincronização baseada em GPS é fundamental para operações de alta frequência. A transição para sistemas alternativos exigiria investimentos em nova infraestrutura e testes extensivos.

    Em meio a toda essa polêmica, devemos ter em mente o seguinte, de alguma forma estamos muito “dependentes do sistema” e nesse caso, de “um sistema”, e esse alerta deveria ser encarado com mais seriedade por todos, pois essa vulnerabilidade em algum momento será explorada e usada contra nós.

 

5 – O Que o Brasil Pode Fazer?


 

        Infelizmente, devido aos resquícios e falta de esclarecimentos sobre a questão da ditadura militar, criou-se um “ranço” somado com interesses particulares, que todo e qualquer desenvolvimento tecnológico militar no país significa uma volta à ditadura militar. Digo desenvolvimento tecnológico militar, primeiro porque questões relacionadas a aviação civil até pouco tempo eram totalmente reguladas pela Força Aérea Brasileira, onde existia o compromisso na segurança e desenvolvimento de tecnologias, mas aos poucos, essa gestão foi sendo entregue para o mercado privado, que tem mais interesse financeiro, remendando aviões com fita crepe do que investir em tecnologias. Um bom exemplo disso são as tentativas frustradas de se desenvolver no Brasil aplicativos com o “software livre”, com tecnologias de ponta, atendendo aos interesses nacionais, o que aumentaria a segurança em todas as aplicações tecnológicas e o melhor, o Brasil não ficaria refém das ameaças de quem quer que fosse, de suspender, taxar ou cortar o acesso a determinado sistema vital para a nação. Independente de posições políticas, enquanto qualquer governante não entender isso, o Brasil continua um “gigante abobalhado”, dominado por qualquer um que tenha enxergado isso, por que aqui vale o ditado, “Em terra de cego, quem tem um olho é rei!”.


Fontes

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